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A Visão do Patriarca da Fazenda, o Sr. Nelson

Desde que me entendo por gente, a fazenda da nossa família sempre foi um lugar acolhedor e de muitos sonhos. Vi meu pai e meu avô trabalharem incansavelmente para manter tudo funcionando. Cresci com a responsabilidade de continuar esse legado e sempre acreditei que um dia meus filhos fariam o mesmo.

Para mim, a fazenda nunca foi apenas um negócio; era o coração da nossa família. Cada colheita bem-sucedida, cada tempestade superada, representava a força e a resiliência que nos mantinham unidos. No entanto, com o passar dos anos, os desafios se tornaram mais complexos. A modernização do agronegócio trouxe oportunidades, mas também exigiu adaptações rápidas e significativas.

Um dos maiores desafios que enfrentei foi a crise financeira que assolou nossa fazenda há alguns anos. Uma praga devastou grande parte das nossas colheitas e tivemos que tomar decisões difíceis para manter a propriedade funcionando. Nessa época, meus filhos ainda eram jovens e não compreendiam totalmente a gravidade da situação. Tivemos que renegociar dívidas, reduzir custos e encontrar maneiras criativas de aumentar a produtividade com recursos limitados.

Quando Lucas se formou em administração de empresas e estava prestes a aceitar um emprego em São Paulo, senti um misto de orgulho e preocupação. Sabia que ele tinha um futuro brilhante pela frente, mas também temia pelo futuro da fazenda sem um sucessor preparado. Durante uma de suas visitas, ele percebeu minha inquietação e decidiu passar um ano conosco, aplicando seus conhecimentos para modernizar nossas operações.

Lucas trouxe uma visão inovadora para a fazenda. Ele introduziu tecnologias que eu nunca havia considerado. No entanto, acolher e entender essas mudanças trouxeram alguns resultados difíceis de conduzir. Durante esse processo, enfrentamos uma crise familiar significativa. Meu filho mais velho, Pedro, que leva o nome do bisavô, quem ergueu tudo isso aqui, sempre teve uma visão diferente sobre o futuro da fazenda. Ele acreditava que deveríamos manter as práticas tradicionais e estava relutante em aceitar as inovações que Lucas estava propondo. Esse conflito gerou tensões e discussões que nossa família nunca havia presenciado antes.

Desde pequenos, Lucas e Pedro sempre foram muito diferentes. Lucas, com sua mente curiosa e inclinada à inovação, sempre buscava novas formas de fazer as coisas, enquanto Pedro, mais conservador e apegado às tradições, valorizava os métodos que aprendeu com o avô. Essas diferenças, que antes pareciam complementares, tornaram-se uma fonte de conflito quando o futuro da fazenda estava em jogo.

A situação chegou ao ponto em que Pedro ameaçou deixar a fazenda. Sabíamos que a saída dele poderia desestabilizar as operações e a união familiar que sempre prezei. Foi então que Ercília, minha esposa, desempenhou um papel fundamental. Ela sempre foi a força silenciosa por trás de nossa família, garantindo que a harmonia prevalecesse mesmo nos momentos mais difíceis. A desunião da família a atormentava profundamente, e ela sabia que precisávamos de uma solução urgente. Ercília fez a cabeça de Lucas para que procurássemos exemplos de outras famílias empresárias do agro que haviam enfrentado desafios semelhantes. Ela organizou encontros com essas famílias, onde pudemos aprender sobre suas experiências e estratégias de sucesso.

Inspirados por essas histórias, decidimos criar um conselho familiar, guiado pelo Lucas, onde todos teriam voz e poderiam expressar suas preocupações e ideias. Ercília foi essencial na mediação dessas reuniões, garantindo que todos se sentissem ouvidos e respeitados. Organizamos reuniões mediadas por um consultor externo especializado em sucessão familiar no agro. Aos poucos, conseguimos encontrar um meio-termo que acomodasse as tradições valorizadas por Pedro e as inovações que Lucas acreditava serem necessárias.

Além disso, havia desafios que meus filhos desconheciam. Lidar com fornecedores e manter a qualidade dos nossos produtos sempre foi um desafio constante. Enfrentamos também a pressão de mercados cada vez mais competitivos e a necessidade de nos adaptarmos às mudanças climáticas que afetavam diretamente nossas colheitas.

Há algo que somente Ercília e eu sabemos: durante a crise financeira, consideramos vender parte da fazenda para cobrir as dívidas. Não foi uma decisão fácil, e nunca contamos aos nossos filhos para não preocupá-los ainda mais. A venda foi evitada graças a um empréstimo que conseguimos renegociar no último momento, mas essa experiência nos ensinou o quanto é importante manter a união e a resiliência em tempos difíceis.

Hoje, vejo meus filhos e netos envolvidos nas operações da fazenda e sinto um orgulho danado. Aprendemos que a inovação, a educação e a governança são essenciais para transformar a sucessão familiar no agronegócio em uma oportunidade de crescimento e prosperidade. No entanto, também descobrimos que nem sempre é fácil conciliar as diferentes visões e interesses dentro da família. Com planejamento adequado e uma visão compartilhada, conseguimos superar muitos desafios, mas sabemos que o caminho é longo e cheio de obstáculos. A cada dia, enfrentamos novas dificuldades, mas permanecemos unidos pela vontade de manter nosso legado vivo e adaptado às mudanças constantes do setor.

Nelson Dantas – Fazenda Aurora, produtor de milho, no Sul de Mato Grosso.

(Nomes fictícios)